Agosto de 2005 mensalão e o Lula

Em 11 de agosto de 2005, a crise assumiu contornos dramáticos. O publicitário Duda Mendonça confessou à CPI dos Correios que recebeu R$ 10,5 milhões de Marcos Valério no exterior, vale lembrar que o conteúdo dessa entrevista pode ser enviada por meio do gmail entrar. Note-se bem: trata-se de dinheiro de caixa 2, não declarado, sem origem definida, usado para pagar serviços prestados na campanha de 2002, na eleição que elegeu Lula. Dia seguinte, em discurso no Planalto, Lula acreditou que dava fim ao caso:

– O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas.

Em 13 de agosto de 2005, a revista Época publicou entrevista com Valdemar Costa Neto (PL-SP), o primeiro deputado a renunciar durante as investigações do escândalo do mensalão. Em foco, a reunião de 2002 que decidiu o apoio do PL (Partido Liberal) ao PT e a indicação de José Alencar para vice de Lula.

O encontro se deu no apartamento do então deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília. Lula estava presente. Depois de árdua negociação, durante a qual Lula, discreto, se retirou a um aposento ao lado, fechou-se o acordo pelo qual o PT se prontificou a transferir R$ 10 milhões para o PL. Época pergunta:

– Lula sabia que a conversa no quarto era sobre dinheiro?

– Ele sabia. O presidente sabia o que a gente estava negociando. Olha, ele e o Zé Dirceu construíram o PT juntos. O Lula sabia o que o Dirceu estava fazendo. O Lula foi para lá para bater o martelo. Tudo o que o Zé Dirceu fez foi para construir o partido.

O vice-presidente Alencar confirmou a entrevista de Valdemar:

– Tudo aquilo que ele fala é verdade. Houve uma reunião e houve um acordo. Esse acordo está registrado na imprensa no ano de 2002, um acordo eminentemente político.

Em sua denúncia sobre o escândalo do mensalão, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, refere-se assim ao acerto PT/PL:

“O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Silvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para a presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora.”

Em 23 de agosto de 2005, Valdemar depôs à CPI do Mensalão. Sustentou que empregou R$ 6,5 milhões do caixa 2 do PT repassados ao PL, entre janeiro de 2003 e setembro de 2004, para pagar material de campanha do segundo turno das eleições de 2002:

– A situação em São Paulo era difícil. Lula tinha vencido José Serra no primeiro turno por apenas 100 mil votos. Tínhamos que entrar com força. Encomendei o material e o dinheiro foi gasto para pagar os fornecedores.

Vale registrar a entrevista de Hélio Bicudo, o respeitável jurista, à revista Veja. Bicudo, quadro histórico do PT, desligou-se do partido:

– Lula é um homem centralizador. Sempre foi presidente de fato do partido. É impossível que ele não soubesse como os fundos estavam sendo angariados e gastos e quem era o responsável. Não é porque o sujeito é candidato a presidente que não precisa saber de dinheiro. Pelo contrário. É aí que começa a corrupção.

– Por que o presidente não tomou nenhuma atitude para impedir que a situação chegasse aonde chegou?

– Ele é mestre em esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma.

Desabafo do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), outro acusado de envolvimento no escândalo do mensalão, durante uma reunião do Campo Majoritário, a corrente do PT cujas lideranças máximas sempre foram Lula e José Dirceu. Cunha fez ameaças veladas a Lula, reclamou de ingratidão e de hipocrisia. Apesar de feitas a portas fechadas, acabaram na imprensa. Não foram desmentidas. O envolvimento de Lula, por Cunha:

– Quem tomou a decisão de fazer alianças? Foi o Zé Dirceu? Quem exigiu o contrato com Duda Mendonça?

Em outras palavras, Lula não só sabia, como estava por trás de tudo. Era o chefe. Continua a ser o chefe.

Insatisfeitos com o presidente, próceres do PT mantiveram a carga sobre Lula. Em entrevista à Folha de S.Paulo em 25 de setembro de 2005, Dirceu disse quem, em sua opinião, eram os responsáveis pela crise:

– Muita gente. Parece que eu fui presidente do PT sete anos sozinho, secretário-geral cinco anos sozinho, né? O PT não foi construído assim. Tem dezenas de dirigentes importantes que hoje são prefeitos, governadores, ministros, deputados e senadores que participaram da construção de toda essa estratégia comigo.

– E o presidente.

– E o próprio presidente da República. É isso o que eu digo. A responsabilidade é de todos nós. Nós temos que debater isso, num congresso do partido, e fazer o balanço.

– O senhor acha que o presidente da República assume a responsabilidade que tem?

– Não quero nominar ninguém. O que eu não aceito é prejulgamento, que foi tudo errado, que foi tudo um fracasso, que a política de alianças do PT estava errada. Tudo foi aprovado democraticamente.

Dirceu respondeu se Lula participou das discussões:

– Participou. Todos participaram. Mas eu quero discutir e avaliar. Eu não quero julgar ninguém porque eu não quero que me prejulguem. O que não aceito é a imagem de que eu fiz tudo sozinho e depois apareceu Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcelo Sereno, que são o mal. Então corta esse mal e o PT está salvo. Isso é maniqueísta. E eu não mereço isso.

Outro trecho da entrevista:

– As pessoas que votaram no PT a vida inteira imaginavam que votavam num partido que tinha práticas diferentes.

– Esse é um erro e o PT vai pagar por ele. Nós vamos ter que pedir desculpas ao país. Nós assumimos compromissos na campanha eleitoral com partidos e repassamos recursos. Se fossem da arrecadação oficial do PT, não teria problema nenhum. Como foram recursos de empréstimos tomados num banco e foram repassados fora da prestação de contas, há uma ilegalidade aí que vai ser punida pela Justiça.

Sobre a política de alianças e o programa de governo de Lula:

– Então estão julgando Lula também. Tem de saber qual é o julgamento e qual é o grau de responsabilidade de cada um.

– E a responsabilidade política? As pessoas votam no Lula e ele não sabe de nada? É difícil acreditar que ele ignorava tudo.

– Não é isso. É que ele não tem responsabilidade. Eu não posso atribuir responsabilidade a ele no grau dele. O Lula tem responsabilidade política porque ele era líder do PT. Mas os graus são diferentes. Não posso atribuir a ele responsabilidade sobre o caixa 2. Aí eu não vou atribuir.

– Ele não tem responsabilidade como liderança?

– Isso é uma pergunta que tem de ser dirigida a ele. Eu não vou responder por ele.

Menos de duas semanas depois, foi a vez de Lula conceder entrevista. Ele falou ao programa Roda Viva, da TV Cultura:

– Feliz o país que tem um político da magnitude do Zé Dirceu.