Janeiro de 2006 mensalão e o Lula

Em 17 de janeiro de 2006, mais evidências de que o presidente sabia muito bem o que se passava à sua volta. Gente muito próxima de Lula estava exposta a denúncias de corrupção, com amplo conhecimento de Lula. Em depoimento à CPI dos Bingos, voltou à cena o economista Paulo de Tarso Venceslau. Ele pôs o dedo na ferida. Declarou que enviou uma carta diretamente a Lula, em 1995, para relatar as peripécias do amigo e compadre do presidente, o advogado Roberto Teixeira. Na década de 80, Teixeira emprestou um imóvel para Lula morar, em São Bernardo do Campo.

Teixeira representava uma empresa que vivia batendo nas portas de prefeituras do PT para obter contratos sem licitação, com base “em notas falsas e rasuradas”. Apesar de informado, Lula nada fez. Como se vê, a coisa vinha de longe.

Insatisfeito na época, Venceslau procurou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), sempre muito próximo de Lula. Reação de Mercadante ao ler a carta endereçada a Lula, segundo a descrição não desmentida de Venceslau:

– Ele ficou chocadíssimo e disse: “Isso é nitroglicerina pura”. Mas não fez nada. Afirmava que tentava sem conseguir. O silêncio continuou.

Pergunta-se: como “tentava e não conseguia”? Mercadante tinha acesso privilegiado a Lula. Em 1994, por exemplo, foi candidato a vice-presidente quando Lula tentou chegar ao Palácio do Planalto pela segunda vez. Se Mercadante tentou e não conseguiu afastar Teixeira do PT, a resistência foi do próprio Lula. Não há outra hipótese. Venceslau também contou tudo a frei Betto, outro amigo histórico de Lula. Frei Betto dirigiu-se assim a Venceslau:

– Se o Lula souber que alguém está conversando com você, ele jura que aquela pessoa vai ser decapitada do partido.

Lula protegia o esquema suspeito de corrupção, engendrado por seu compadre. Ressalte-se que isso ocorreu em 1995. Desde 1993 Venceslau vinha denunciando Teixeira. Na época, Venceslau era secretário de Finanças de São José dos Campos (SP), cidade cuja prefeita era Ângela Guadagnin (PT-SP).

Ângela foi ouvida depois do depoimento de Venceslau. Ela admitiu outra acusação, a de que Paulo Okamotto, homem de confiança do presidente Lula, percorria prefeituras do PT na década de 90. Okamotto ia atrás de listas de fornecedores das administrações. De posse dos nomes das empresas, ia a campo pedir dinheiro a quem mantinha contratos com os governos do PT. Ângela é outra estrela do PT que teve papel importante nos desdobramentos do escândalo do mensalão. Ela admitiu:

– O que fica desse episódio é que se conhecia o esquema de arrecadação paralela há muito tempo, desde 1993.

A coisa é anterior. Em 1989, a primeira eleição para presidente disputada por Lula. Ele mesmo, pessoalmente, pediu à então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, um esquema que alterasse a ordem cronológica dos pagamentos a empresas contratadas para fornecer bens e serviços à administração municipal.

Naquele final da década de 80, vivíamos tempos de inflação galopante. Receber antes do prazo estipulado, portanto, permitiria fazer aplicações financeiras que renderiam bom dinheiro, por isso o beneficio de usar o contador de dias corridos. Quem fosse contemplado com o benefício retribuiria à altura, com transferências generosas de dinheiro para o caixa 2 do PT. Luiza Erundina resistiu.

Em 1998, Lula foi candidato a presidente pela terceira vez. Em 9 de fevereiro de 2006 depôs ao Ministério Público um ex-secretário de Habitação de Mauá (SP), de nome Altivo Ovando Júnior. Em 1998, aquela cidade da Grande São Paulo estava sob comando do ex-prefeito Oswaldo Dias (PT). De acordo com o depoimento de Altivo Ovando Júnior ao Ministério Público, Lula pressionou por dinheiro para financiar a sua campanha eleitoral:

“O declarante se recorda de que, no pleito de 1998, o presidente Lula compareceu no gabinete do prefeito de Mauá, oportunidade em que, utilizando termos chulos, cobrou de Oswaldo Dias maior arrecadação de propina em favor do PT.”

Durante o depoimento, foi reproduzida frase atribuída a Lula:

“Ele dizia: ‘Pô, Oswaldão, tem que arrecadar mais, faz que nem o Celso Daniel em Santo André. Você quer que a gente ganhe a eleição como?’”

Naquele ano, Lula voltou a perder, pela terceira vez consecutiva. Mas, em 2002, disputou e foi eleito presidente. Passou a despachar no gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Após mais de três anos, fica difícil acreditar que não soubesse o que acontecia na sala bem ao lado de seu gabinete, ocupada durante parte daquele período de turbulência pelo superministro Antonio Palocci. E ali se urdiu a conspiração contra o caseiro Francenildo Costa.

O rapaz havia desmascarado Palocci. Contestou as mentiras do ministro. Palocci procurava um meio de negar o impossível, o fato de ter sido um freqüentador da “casa dos prazeres”. A mansão fora alugada em Brasília pela “república de Ribeirão Preto”, como ficou conhecido o grupo de colaboradores do então ministro, e costumava ser reduto para festas com garotas de programa.

Lula participou ativamente da tentativa de blindar Palocci. O presidente teria tramado o recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender o depoimento de Francenildo à CPI dos Bingos. As investigações sobre o caso mostraram que Lula fora avisado pessoalmente da ordem de Palocci para que violassem o sigilo bancário do caseiro. Jorge Mattoso, o presidente da Caixa Econômica Federal, avisou-o em 24 de março de 2006.

A rigor, Lula já recebera informações a respeito em 20 de março, quando o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, relatou ao presidente o envolvimento de Palocci na quebra do sigilo. Palocci foi afastado em 27 de março, uma semana depois. Naquele momento, não havia mais jeito de desvinculá-lo do crime. Durante todo o escândalo, Lula deu uma de quem não sabia de nada. Ao mesmo tempo, participava de toda a operação abafa.

No auge da crise, em 23 de março, houve uma reunião na casa de Palocci. A revista Veja relatou que um sindicalista nomeado por Lula na vice-presidência da Caixa Econômica Federal fora escolhido para subornar algum funcionário da Caixa, com R$ 1 milhão. A idéia era encontrar alguém para assumir a violação do sigilo.

O tal sindicalista, Carlos Augusto Borges, é homem de confiança de Lula. Será possível que o presidente não soubesse da missão de Borges? Ou, ao contrário, teria sido exatamente o presidente quem o designara para pilotar a operação de suborno? Tudo indica que Lula considerava sua obrigação fazer tudo o que estivesse ao alcance para salvar Palocci, que tantos serviços prestara desde a campanha eleitoral de 2002. Sabe-se que, depois da reunião na casa de Palocci, o ministro da Fazenda e Bastos foram se encontrar com Lula no Palácio do Planalto.